O fim do mundo







Alguém gritou que o mundo vai acabar. Talvez seja verdade dessa vez. Há um murmúrio de que nada mais pode ser feito. Não há mais tempo. O mundo vai acabar. Em breve haverá apenas baratas e escorpiões. Já ouvi esse boato outras vezes, mas, por precaução, começo a empacotar os livros que levarei comigo enquanto espero o fim do mundo.

A Bíblia já está sobre a pequena mala. Não convém levar muita bagagem se o mundo realmente acabar, mas não posso passar sem a Bíblia e a sabedoria inspirada.

Toda gordura pertence a Iahweh” (Levítico 3, 16)

Ou o preceito divino que nunca foi esquecido pelos exércitos e milícias:

Matem as crianças! Matem as mulheres que não são virgens. Peguem as virgens para vós” (Números 31, 17-18).

Palavra do Senhor.

Se levo a Bíblia comigo é porque preciso rir. Mesmo no fim do mundo não podemos perder o humor. Quanto aos religiosos que ainda acreditam no Livro, disse a cada um deles as palavras Abraão a Lot:

Peço-te que te apartes de mim. Se tomares a esquerda, irei para a direita; se tomares a direita, irei para a esquerda” (Gênesis 13, 9).

Eles seguiram à direita, então eu fui à esquerda.

No caminho, sentado ao lado de minha pequena mala (uma camiseta preta, cuecas, par de meias e um livro de Primo Levi), abro o Livro de Jó e penso nos pastores que, à direita, tangem os seus rebanhos:

Vós não sois senão embusteiros,
todos vós meros charlatães.
Quem vos imporá o silêncio,
a única sabedoria que vos convém!” (Jó 13, 4-5)





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