As mãos do rei da Assíria
Os exércitos assírios avançaram sobre o reino de Israel. Vencido e obrigado a pagar pesados tributos, o rei Oseias pediu ajuda militar ao Faraó do Egito. Ao saber disso, Salmanasar, rei da Assíria, ordenou que Oseias fosse preso e que a população fosse deportada para os extremos da Mesopotâmia. As tribos que formavam o reino de Israel foram dispersas e desapareceram para sempre.
Vinte anos depois, no décimo quarto ano do reinado de Ezequias, os assírios avançaram
sobre o reino de Judá. Senaquerib, o novo rei da Assíria, tomou todas as cidades fortificadas e enviou a Jerusalém um grande
exército que tinha à frente o comandante-chefe, o copeiro-mor e o grande
eunuco. Para negociar com eles, o rei de Judá escolheu Eliakim, chefe do palácio, o secretário Sobna e o arauto Joaé.
O copeiro-mor de Senaquerib lhes disse então: "Dizei a Ezequias. Assim fala o grande rei, o rei da Assíria: Que confiança é essa em que tu te estribas? Confias no apoio do Egito, esse caniço quebrado, que fura a mão de quem nele se apoia; pois não passa disso o Faraó, rei do Egito, para todos os que nele confiam. Dir-me-eis talvez: É em Iahweh, nosso Deus, que pomos nossa confiança. Pois bem, foi porventura sem o consentimento de Iahweh que eu ataquei esta cidade para a destruir? Foi Iahweh que me disse: Ataca este país e devasta-o!"
O copeiro-mor de Senaquerib lhes disse então: "Dizei a Ezequias. Assim fala o grande rei, o rei da Assíria: Que confiança é essa em que tu te estribas? Confias no apoio do Egito, esse caniço quebrado, que fura a mão de quem nele se apoia; pois não passa disso o Faraó, rei do Egito, para todos os que nele confiam. Dir-me-eis talvez: É em Iahweh, nosso Deus, que pomos nossa confiança. Pois bem, foi porventura sem o consentimento de Iahweh que eu ataquei esta cidade para a destruir? Foi Iahweh que me disse: Ataca este país e devasta-o!"
Eliakim disse ao copeiro-mor: “Peço-te que fales conosco em aramaico e não em hebraico, para que essas palavras não sejam entendidas pelo povo que está sobre as muralhas”. Mas o copeiro-mor lhe respondeu: "Não foi a ti nem a teu rei que o meu senhor mandou dizer essas
coisas, mas sim ao povo, que está sentado sobre as muralhas e que está
condenado, como vós, a comer seus excrementos e a beber a própria urina".
Então o copeiro-mor se pôs de pé e, em hebraico, gritou ao povo: "Escutai a palavra do grande rei, o rei da
Assíria. Assim fala o rei: Não vos deixeis enganar por Ezequias, pois não
poderá vos libertar da minha mão. Que Ezequias não alimente vossa confiança em
Iahweh, dizendo: Certamente Iahweh nos salvará, esta cidade não cairá nas mãos
do rei da Assíria. Não deis ouvidos a Ezequias pois assim fala o rei da
Assíria: Fazei as pazes comigo, rendei-vos, e cada qual poderá comer do fruto
da sua vinha e da sua figueira e beber a água da sua cisterna, até que eu venha
para vos transportar para uma terra como a vossa, terra que produz trigo e
vinho, terra de pão e de videiras, terra de azeite e mel, para que possais
viver e não morrer. Mas não deis ouvidos a Ezequias, que vos ilude, dizendo:
‘Iahweh nos salvará!’ Acaso os deuses das nações puderam livrar cada
qual sua terra das mãos do rei da Assíria? Onde estão os deuses de Emat e de
Arfad? Onde estão os deuses de Sefarvaim, de Ana e de Ava? Acaso eles livraram
a Samaria das minhas mãos? Dentre todos os deuses das nações, quais os
que livraram sua terra da minha mão, para que Iahweh possa salvar
Jerusalém?".
Ao ser avisado dessas palavras, Ezequias rasgou
suas vestes e foi ao Templo de Iahweh, de onde mandou seus
emissários dizerem ao profeta Isaías: "Assim fala Ezequias: Hoje é um
dia de angústia, de castigo e de opróbrio. Os filhos estão para nascer, mas não
há força para os dar à luz. Que Iahweh tenha ouvido todas as palavras do
copeiro-mor. Que Iahweh dê o castigo merecido por essas palavras. Isaías, faz uma
prece em favor do resto que ainda subsiste".
Naquela mesma noite, o Anjo de Iahweh exterminou
cento e oitenta e cinco mil soldados assírios. De manhã, ao despertar, só havia
cadáveres. Senaquerib, rei da Assíria, levantou o acampamento e partiu.
O reino de Judá foi salvo das mãos do grande rei da
Assíria, mas, em pouco mais de cem anos, caiu nas mãos de Nabucodonosor, o
grande rei da Babilônia. O Templo de Iahweh foi saqueado e destruído.
Milhares foram levados cativos para a Babilônia, os remanescentes se
dispersaram em busca de refúgio. Não demorou, porém, para que o império babilônio fosse conquistado por Ciro, o grande rei dos persas. Os habitantes do antigo reino de
Judá foram libertados, mas logo caíram nas mãos de um dos generais de outro
grande rei, Alexandre da Macedônia. Depois foram dominados pelo grande império romano,
que acabou por devastar a Judeia nas guerras de 70 e de 135 d. C. Quase
dois milênios mais tarde, Iahweh ficou em silêncio quando os filhos de
Judá foram perseguidos, escravizados e exterminados pelo grande Führer do império germânico.
Cansados de contar com a Providência de Iahweh, os sobreviventes do antigo reino de Judá que hoje residem no Estado de Israel
aprenderam que mais vale o treinamento militar rigoroso, a tecnologia de
segurança e as armas de primeira geração. Também tomaram a precaução de contar com
o apoio de um grande império.
Isso não é negar o poder de Iahweh, mas reconhecer
que seus desígnios são insondáveis. Quem seria tão presunçoso ou insensato a
ponto de proclamar que compreende os caminhos de Iahweh? Não é justamente essa
presunção e essa insensatez a marca dos charlatães e falsos profetas?
Para a nossa razão pobre e limitada, as ações de
Iahweh sempre parecerão indistinguíveis do mero acaso. Daí a impressão –
certamente ilusória – de que Iahweh gosta de jogar dados. Quando os dados caem
a nosso favor, dizemos que a Providência de Iahweh é infalível e que as nossas
preces foram atendidas. Quando os dados nos são desfavoráveis, dizemos que Iahweh pune os nossos pecados e a nossa pouca fé, e que é preciso resignar-se. Assim, sempre limitados a
uns farrapos de compreensão do mundo, sempre cercados de incertezas, sempre sacudidos pela montanha-russa de medos e esperanças, vivemos tão perplexos quanto aqueles
miseráveis adoradores de Baal, de Moloch e de Dagon, quando viam as mãos ávidas e terríveis do rei da Assíria se estender em sua direção.
NOTAS
A história da ameaça assíria sobre os
reinos de Israel e de Judá está no Segundo Livro dos Reis, capítulos 17 a
19. O discurso insolente do copeiro-mor de Senaquerib também é
narrado no Segundo Livro das Crônicas, capítulo 32 e no Livro de Isaías,
capítulos 36 e 37.
Os capítulos 24 e 25 do Segundo Livro dos Reis
narram a destruição do reino de Judá por Nabucodonosor, com a destruição do
Templo e o cativeiro na Babilônia. Esse evento catastrófico é decisivo na
configuração do Antigo Testamento e no discurso dos profetas.
Para os acontecimentos subsequentes, além do Livro
de Esdras e Neemias, do livro de Ester, de Judite e dos Macabeus, há as obras
do historiador antigo Flávio Josefo (As Antiguidades Judaicas, As
Guerras dos Judeus) e as muitas histórias do povo judeu que foram escritas desde então.
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